ABSTRACT
O presente estudo toma por objeto o dispositivo das drogas, fundamentado na partilha entre as drogas construídas nos campos moral, médico e jurídico, as quais as ordenaram, de um lado ou de outro desta divisão, segundo os valores do bem e do mal, da saúde ou da doença e, em última instância, da vida e da morte. O objetivo desta pesquisa é investigar como esse dispositivo, em sua dupla operação de patologização do uso das drogas (i)lícitas e de incitação ao consumo das drogas psicofarmacológicas, apresenta-se numa determinada instituição especializada no tratamento do abuso de drogas. A relevância desta pesquisa para o campo de estudos sobre drogas reside, basicamente, na escassez de trabalhos que abordem a questão das drogas de forma conjunta (drogas (i)lícitas e drogas medicinais) e que inscrevam os psicofármacos no registro das drogas propriamente dito. A pesquisa foi realizada através da análise de documentos institucionais do Centro onde o estudo foi feito e de entrevistas semiestruturadas com os profissionais que compõem o quadro técnico do Núcleo Clínico da instituição e com alguns pacientes do Centro. Buscou-se, com isso: investigar os pressupostos clínicos do Centro; mapear o que os profissionais compreendem por dependência de drogas; identificar os critérios adotados por eles para realizarem encaminhamentos ao Serviço de Psiquiatria da instituição; e identificar os critérios utilizados por eles para considerarem a possibilidade de "alta" dos pacientes; mapear o que os pacientes entrevistados compreendem por "vício" e de quais elementos eles se servem nessa compreensão; investigar que relação os pacientes entrevistados possuem com as drogas psicofarmacológicas que lhe foram/são prescritas por psiquiatras da instituição. Com a execução da pesquisa, verificou-se um amplo processo de psiquiatrização do Centro, o seu atravessamento pelo regime biopolítico de poder e a realização de operações de gestão dos riscos pela maioria dos profissionais da instituição. Tais variáveis reunidas instauram um quadro de vasta patologização, sobretudo do uso de drogas, e de uma consequente e larga medicalização, que pode ser traduzida por uma incitação legitimada ao uso das drogas psicofarmacológicas