ABSTRACT
Incluídos recentemente pela Organização Mundial da Saúde na lista das doenças tropicais negligenciadas, os acidentes ofídicos representam um importante problema de saúde pública no mundo, no Brasil e na Amazônia, principalmente nos grupos etários economicamente ativos das populações rurais, ribeirinhos e, em especial, nas populações indígenas cuja taxa de mortalidade por acidente ofídico quase o dobro (0,77%) do que na população geral do Brasil (0,48%). O presente estudo foi desenvolvido, com o objetivo de analisar o perfil epidemiológico dos acidentes ofídico registrados no Distrito Sanitário Especial Indígena-Yanomami (DSEIYANOMAMI) e avaliar a termoestabilidade dos soros antiofídicos líquido, produzidos pelo Instituto Vital Brazil durante armazenamento por 12 meses a 30,0±2,0°C. Para atendimento do primeiro objetivo foram utilizados, como fonte, dados secundários dos boletins epidemiológicos referentes ao período de 01 janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2017. A partir da pesquisa documental primária de caráter descritivo, foi realizada uma análise quantitativa dos casos registrados de acidentes ofídicos ocorridos nos 37 polos base de atenção à saúde indígena, vinculados ao DSEI-Yanomami.
Do total de 827 casos notificados de acidentes ofídicos, 687 (83,07%) foram ocasionados por serpentes peçonhentas, com predomínio de acidentes pelo gênero Bothrops, 636 (92,7%). Março e julho de 2015 apresentaram o maior número de acidentes, com uma distribuição mensal em consonância com o padrão das atividades humanas e das estações climáticas, ratificando a ocorrência do maior número de casos (68%) nas estações chuvosas de março a setembro. Quanto à classificação dos acidentes, 56,4% foram consideradas leves, ocorrendo predominantemente na faixa etária de 06-30 anos (63%) em ambos os sexos. A ocorrência desses acidentes foi mais frequente no sexo masculino (62,2%), com maior acometimento nos membros inferiores (88,65%). A soroterapia antiofídica foi realizada em 644 (93,6%) casos com registro de seis óbitos (0,87%). Quanto ao segundo objetivo, a termoestabilidade dos soros antiofídicos líquidos estressados foi avaliada por ensaios in vivo e in vitro, seguindo farmacopeias nacionais e internacionais, que poderiam influenciar na qualidade, segurança e eficácia dos soros. Os resultados foram expressos em miligrama por mililitro para potência; e em grama por cento (g%) para fenol, proteína, nitrogênio total, nitrogênio proteico e nitrogênio não proteico. Os critérios de aceitação foram fixados seguindo especificações farmacopeicas e recomendações do ICH e OMS.
Os resultados obtidos no estudo epidemiológico demonstraram que a diferença das taxas de mortalidades entre as populações indígenas e o restante da população brasileira está relacionada ao tempo entre a ocorrência do acidente e a aplicação do soro, regiões estas que não possuem uma estrutura de cadeia de frio adequada, e poderiam ser melhor atendidas com soros mantidos a temperatura ambiente. Os soros antiofídicos líquidos produzidos pelo Instituto Vital Brazil, no presente estudo, apresentaram termoestabilidade quando mantidos e transportados em temperatura de 30,0±2,0°C por um ano, os quais poderiam ser uma opção para atender regiões remotas que não possuam infraestrutura de refrigeração. (AU)