ABSTRACT
No Brasil encontra-se em andamento liberações de Aedes aegypti infectados com Wolbachia, uma bactéria que reduz, experimentalmente, a transmissão de arbovírus como os vírus dengue, chikungunya e Zika. Testes em áreas da Austrália, Indonésia e Vietnã confirmaram uma invasão rápida e estável de Ae. aegypti contendo a cepa wMel sobre a população selvagem. No Rio de Janeiro, liberações semanais de Ae. aegypti com Wolbachia (linhagem wMelBr) foram iniciadas em setembro de 2014. Entretanto, diferentemente do observado naqueles países, a primeira liberação de Ae. aegypti infectados com Wolbachia na América Latina não logrou êxito. Durante 20 semanas consecutivas, a linhagem wMelBr foi liberada no Rio, mas um platô inesperado (devido à introdução semanal de milhares de mosquitos e ao efeito da incompatibilidade citoplasmática) foi observado nas semanas 7 a 19. Primeiramente, realizamos experimentos de marcação-soltura-recaptura durante as liberações para verificar o número de mosquitos liberados e a densidade populacional dos mosquitos selvagens. Após esses resultados, dobramos o número de indivíduos liberados. Comparamos também a aptidão física (fitness) dos mosquitos wMelBr com a dos nativos. Os mosquitos wMelBr apresentaram tamanho de asas maior, menor mortalidade e uma razão sexual de 1,2: 1 para as fêmeas e, a análise de mtDNA, não mostrou falha na transmissão materna da bactéria. Todas estas características favorecem a invasão da wMelBr. Entretanto, apesar da frequência de wMelBr atingir 65% em campo na semana 20, ela caiu dramaticamente nas quatro semanas seguintes ao fim das liberações. Animado pelo aumento de venda de inseticidas spray, o dono da mercearia local manifestou desejo de que as liberações fossem incessantes, chamando-nos atenção para o possível status da resistência a inseticidas na linhagem liberada
A wMelBr permanecera em endocruzamento por 17 gerações em laboratório e os genótipos de resistência a piretroides (PI) diminuíram de 68% para 3,5%. Ou seja, havíamos liberado mosquitos altamente suscetíveis a PI em uma área cuja população selvagem que era altamente resistente. Após isso, uma segunda linhagem (wMelRio), com alelos de resistência a PI, foi gerada em laboratório e liberada simultaneamente em dois locais no Rio de Janeiro. Os alelos de resistência foram mantidos em wMelRio, em laboratório, por introdução de 50% de machos selvagens a cada duas gerações. Após 18 meses sem liberações adicionais, a frequência da wMelRio em campo era > 90%, em ambos os locais, evidenciando o sucesso em campo. A linhagem wMelRio é resistente a PI e ao larvicida temephos, e suscetível ao malathion e ao diflubenzuron, os compostos químicos atualmente utilizados no controle vetorial. Modelos matemáticos foram aplicados para testar como diferentes estratégias de liberação (variações na suscetibilidade a inseticidas das linhagens, custo de fitness da resistência a inseticidas) aumentam a chance de invasão da Wolbachia. Nossos resultados indicam uma invasão bem sucedida em duas situações: 1) liberando-se mosquitos suscetíveis em um ambiente sem uso de inseticidas (pode causar uma reversão nos níveis de resistência aos inseticidas); e 2) liberando-se mosquitos resistentes (wMelRio) em uma população resistente (como no Rio de Janeiro), mesmo com um elevado uso de inseticidas. Portanto, a implementação da tecnologia de liberação de Ae. aegypti infectado com Wolbachia como potencial estratégia para redução da transmissão de arbovírus deve considerar o perfil de resistência aos inseticidas da população selvagem, e da linhagem liberada, para alcançar uma invasão bem sucedida em campo. (AU)