ABSTRACT
As narrativas sobre o diagnóstico e as causas da malária são diversas e aparentemente ambíguas, sendo baseadas para além do corpo, nas relações sociais estabelecidas entre pares, os seus antepassados e a natureza. Com base num estudo qualitativo e na permanência em Moçambique durante quatro anos, este artigo pretende analisar os discursos dos pacientes e praticantes biomédicos sobre os provedores de cuidados de saúde tradicionais, isto é, tinyanga e pastores ziones, articulando-os com as terminologias locais da malária, num distrito rural no sul de Moçambique. No atual contexto de pluralismo terapêutico e elevada mobilidade, a falta de compaixão e solidariedade atribuída aos tinyanga é fundamentada pela monetarização e comoditização dos seus saberes e rituais medicinais, bem como pela competição com outros provedores na captação de doentes. A implantação das igrejas ziones, de cariz cristão e com práticas terapêuticas semelhantes às dos tinyanga, apresenta-se como uma solução local vantajosa devido à forte ligação comunitária, ao consolo e reciprocidade entre os seus membros e aos resultados terapêuticos a baixo custo. No nível das políticas de saúde e da prática clínica, a invisibilidade dos pastores ziones e o papel subalterno dos tinyanga é gerido à medida dos interesses, das ideias vagas e dos preconceitos que os provedores biomédicos possuem sobre esses provedores terapêuticos. A implementação de políticas de saúde que atendam à diversidade local, às relações de poder existentes e aos conhecimentos e práticas médicas podem fortalecer os cuidados biomédicos prestados e harmonizar as relações entre os provedores e a população.
The narratives on the diagnosis and causes of malaria are diverse and apparently ambiguous, being based beyond the body, on the social relations among peers, their ancestors, and nature. Based on a qualitative study and a four-year stay in Mozambique, this article analyzes the discourses of patients and biomedical practitioners on traditional health care providers, i.e., tinyanga and zion pastors, linking them to local terminology of malaria, in a rural district in southern Mozambique. In the current context of therapeutic pluralism and high mobility, the lack of solidarity and compassion attributed to tinyanga is supported by the monetization and commodification of their medicinal rituals and knowledge, as well as by competition with other providers in attracting patients. The implementation of zion churches, of Christian nature and performing therapeutic practices similar to tinyanga, is presented as a local advantageous solution due to the strong community connection, the comfort and reciprocity among the members, and the therapeutic results at low cost. In terms of health care policies and clinical practice, the invisibility of zion pastors and the subordinate role of healers is managed according to interests, based on vague ideas and prejudices from biomedical providers. The implementation of health policies that address the local diversity, the existing power relations and medical knowledge and practices can strengthen the biomedical care services and harmonize relations between the providers and the population.
Subject(s)
Humans , Male , Female , Delivery of Health Care , Malaria , Health Policy , Professional Practice , Physician-Patient Relations , Therapeutics , Health Knowledge, Attitudes, Practice , Cultural Diversity , Medicine, African Traditional , Qualitative ResearchABSTRACT
La diversidad humana y las particularidades de actuaciones y comportamientos, a veces impredecibles, de una comunidad constituyen aspectos importantes de la riqueza de la sociedad, tanto en lo individual como en su convivir social. La riqueza del ser humano desde el punto de vista individual ha sido estudiada ampliamente por los psicólogos y psiquiatras, sus resultados se han descrito en múltiples publicaciones sobre la psicología humana.
Subject(s)
Humans , Male , Female , Pregnancy , Social Welfare/ethnology , Indigenous Peoples/history , Health Promotion/standards , Medicine, Traditional/history , Plants, Medicinal , Complementary Therapies/methods , Spiritual Therapies/methods , Traditional Medicine Practitioners , Human Rights/historyABSTRACT
Baseando-se num longo período de observação directa e entrevistas, este artigo aponta como principal obstáculo às pouco frutuosas tentativas de diálogo entre biomedicina e "medicina tradicional", em Moçambique, o desconhecimento e/ou desvalorização das noções locais acerca da doença, vertentes sociais da sua etiologia e suas implicações para a noção e processo de cura. Assim, a par da caracterização dos tinyanga (terapeutas putativamente possuídos por espíritos) e das terapias que utilizam, o artigo expõe o sistema localmente dominante de interpretação dos infortúnios, em que as causas materiais (como aconteceu) se combinam com factores sociais ou espirituais (porque aconteceu àquela pessoa). Daí decorre que o processo de cura não se esgota no debelar da enfermidade, implicando também a resolução do problema social do qual ela é uma manifestação - o que constitui uma das especialidades destes terapeutas. Por isso, nem o recurso a tinyanga resulta sobretudo de falta de alternativas de cuidados de saúde, nem é concebível, para estes terapeutas, que o seu entrosamento com o sistema de saúde oficial pudesse restringi-los à sua faceta de herbalistas. Contudo, o debate e negociação do seu espaço, papel e estatuto dentro de futuros quadros gerais de prestação de cuidados de saúde não deverão ser feitos através de "tradutores culturais" bem intencionados, que lhes pretendam "dar voz". Os próprios tinyanga dispõem das capacidades e competência para o fazer, assim tenham interlocutores.
Based on a long process of direct observation and interviews, this article states that the main barrier to the unfruitful attempts of dialog between biomedicine and "traditional healers", in Mozambique, is the ignorance and/or undervaluation of the local notions about illness, the social aspects of its aetiology, and their implications for the notion and process of cure. Therefore, together with the characterization of the tinyanga (healers putatively possessed by spirits) and their therapies, the article presents the locally dominant system of misfortune interpretation, in which the material causes (how it happened) are combined with social and spiritual factors (why it happened to that person). As a consequence, the cure is not only the healing of the illness; it includes and demands as well the resolution of the social problem that caused it - and this second aspect of the cure is one of the tinyanga's expertises. For that reason, consulting such healers seldom results from the absence of health care alternatives, and they cannot accept the idea of being limited to their herbalist expertise, in order to be integrated into the official health care system. However, the debate and negotiation about their space, role and status in future general health care systems should not be made through sympathetic "cultural translators". The tinyanga have the abilities to do it with their own voice, as far as they have available interlocutors.