Metáforas do desejo: a esterilizaçäo como processo de defesa / Metaphors of desire: sterilization as a defense process

RESUMO

Este artigo consiste em uma releitura da pesquisa realizada por Serruya, que investigou as causas e explicaçöes sobre a decisäo das mulheres de Belém do Pará acerca da esterilizaçäo cirúrgica. A autora explora, com competência e fundamentaçäo, os aspectos da medicalizaçäo e das restriçöes sociais e econômicas como determinantes para a decisäo sobre o tamanho da prole. Identifica ainda uma paradoxal situaçäo na qual se estabelece a prole pequena como condiçäo para a mulher ser qualificada como boa mäe. A ampla adesäo das mulheres brasileiras à esterilizaçäo tem despertado a atençäo dos diversos campos de pesquisa. O complexo de desejos das mulheres relacionados à sexualidade, maternidade e contracepçäo, seja pela sua realizaçäo ou negaçäo, evidencia a rebeldia em prosseguir na designaçäo do destino cultural das mulheres, ou seja, a maternidade. A escolha pela esterilizaçäo cirúrgica é resultado da disponibilidade da tecnologia no variado leque de ofertas da saúde, mas seus significantes subjetivos podem revelar outros aspectos do fenômeno. As mulheres optam por esta intervençäo cirúrgica por atribuir ao ato médico valor de mercadoria de consumo. Por outro lado, o desejo de ligar as trompas e interromper a fertilidade é uma manifestaçäo de sua rebeldia à maternidade, rompendo com as construçöes da cultura que determinam os papéis sociais femininos. No entanto, ao se esterilizarem, as mulheres também revelam o desejo de castraçäo subjetivado, relacionado ao conceito de fetichismo de Freud. A trama do desejo das mulheres, analisada à luz da psicanálise, relaciona a esterilizaçäo cirúrgica ao fetiche. Tomado como desvio ou como substituiçäo do desejo, o fetichismo pode contribuir para o entendimento dos sentimentos da ambigüidade ou mesmo do arrependimento explicitado por muitas mulheres esterilizadas.