ABSTRACT
Resumo As pesquisas sobre aborto provocado no Brasil têm apontado para a existência de uma dinâmica paradoxal sobre o fenômeno. Se, por um lado, trata-se de um assunto tabu e cercado de estigma, conformando um tecido de aparente invisibilidade social para a prática, por outro é evento comum na vida reprodutiva das mulheres de todas as classes sociais, raças e religiões, indicando uma cultura de amplo compartilhamento de conhecimento e prática sobre o tema. Este artigo versa sobre a personagem da "amiga que já abortou", que aparece em narrativas sobre a experiência com aborto induzido compartilhadas publicamente em uma plataforma "online", entendida aqui como uma comunidade virtual de troca sobre o assunto, mantida pela organização não governamental internacional "Women on Web". A partir de uma etnografia virtual, percebeu-se que esta personagem ganha destaque nas narrativas e no universo das redes sociais interpessoais mobilizadas pelas mulheres no seu itinerário abortivo. Relações que estimulam a reflexão sobre o lugar da solidariedade entre mulheres na coletivização de saberes e estratégias e na produção de uma resistência comum diante do contexto de clandestinidade e estigmatização que conforma o tema do aborto no país.
Abstract The Brazilian research on abortion has pointed to the existence of a paradoxical dynamic about the event. If, on the one hand, it is a taboo subject surrounded by stigma, evidencing an apparent social invisibility of this practice, on the other hand, it is a common event in the reproductive life of women of all social classes, races, and religions, showing a culture of broad sharing of knowledge and practice on the subject. This paper is about the character of the "friend who has already aborted", which appears in narratives about the abortion experience shared publicly on an online platform, understood here as a virtual exchange community on the subject, maintained by the international NGO Women on Web. A virtual ethnography revealed that this person gains prominence in the narratives and the universe of the interpersonal social networks mobilized by women in its abortive course, relationships that stimulate reflection on the place of solidarity among women in the collectivization of knowledge and strategies and the production of a common resistance in the context of clandestinity and stigmatization underpinning the theme of abortion in the country.