RESUMO
Os jovens e adolescentes são um grupo desproporcionalmente acometido pelo HIV. Ser adolescente gay, bissexual, travesti ou transgênero, é enfrentar desafios ainda maiores em termos de risco e vulnerabilidade ao HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis, fato pelo qual estes grupos representam uma população-chave para a implementação de intervenções estruturais, comportamentais e biomédicas. A PrEP é uma estratégia que tem se mostrado segura e eficaz na prevenção da infecção pelo HIV, entre esta e outras populações-chave. Entretanto, ainda se sabe muito pouco sobre o real impacto de seu uso no cotidiano dos jovens e adolescentes. O presente estudo tem como objetivo avaliar os fatores sociodemográficos e de práticas sexuais basais relacionados com à prevalência de sífilis na entrada e os marcadores ou preditores de adesão à PrEP por autorrelato entre adolescentes Gays, Bissexuais e outros Homens que fazem Sexo com Homens (HSH), Mulheres Transgênero e Travestis (MTTr) de 15-19 anos com riso de infecção pelo HIV. O projeto PrEP1519 é um estudo de coorte demonstrativo multicêntrico brasileiro, aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da OMS, pela CONEP e COEP das Universidades participantes (UFMG, UFBA e USP). A inclusão foi voluntária após processo de consentimento livre e esclarecido e assinatura dos Termos de Consentimento ou Assentimento (TCLE, TALE). Os participantes foram alocados em dois grupos: com ou sem uso de PrEP, conforme avaliação de vulnerabilidade e preferência. As análises foram realizadas com as diversas dimensões de vulnerabilidade de infecção ao HIV, e modelos de regressão logística foram construídos para estimar as razões de chance da associação entre as variáveis preditoras e os níveis de adesão nas visitas M1, M6 e M12, assim como sua associação com um teste treponêmico positivo para sífilis na entrada do estudo. Foram analisados 935 participantes. A idade mediana foi 19 anos (IIQ: 18-19), 69% (645) se auto identificaram como negros (pardos/pretos), 91,1% (852) como homens cisgênero e 8,8% (82) como mulheres trans ou travestis. Aproximadamente 26% (251) dos participantes apresentaram ao longo dos 12 meses de seguimento uma adesão insuficiente, inferior a 90% por autorrelato. Na análise multivariada final, uma maior chance de adesão insuficiente foi associada com estar desempregado (OR = 1,34; IC95%: 1,00-1,81), ter relações sexuais em troca de dinheiro ou favores (OR =1,75; IC95%: 1,10-2,79) e ter uma autopercepção de risco de infecção pelo HIV <5 (OR = 1,51; IC95%: 1,06-2,16). Por outro lado, a prevalência de sífilis na linha de base foi de 21,3%. No modelo final de regressão logística, as seguintes variáveis estiveram associadas com chances maiores de sífilis: autorrelato de episódio de IST nos últimos 12 meses (OR = 5,92; IC95%: 3,74-9,37), ser profissional do sexo (OR = 3,39; IC95%: 1,32-8,78) e ter menos de 11 anos de escolaridade (OR = 1,76; IC95%: 1,13-2,74). Nossos dados reiteram conhecidos fatores de vulnerabilidade e apontam a necessidade de fortalecer os programas de PrEP na saúde pública com adequada discussão sobre classe social, raça, gênero, sexualidade e prevenção combinada, assim como, ampliar e facilitar o acesso a todas as ferramentas de prevenção combinada, incluída a PrEP, para esta faixa etária.
Young people and adolescents are a group disproportionately affected by HIV. Being a gay, bisexual, travesti, or transgender teenager means facing even greater challenges in terms of risk and vulnerability to HIV and other sexually transmitted infections, a fact for which these groups represent a key population for the implementation of structural, behavioral, and biomedical interventions. PrEP is a strategy that has proven to be safe and effective in preventing HIV infection among this population and other key populations. However, very little is known about the real impact of its use on the daily life of young people and adolescents. The aim of present study was to evaluate sociodemographic factors and baseline sexual practices related to the prevalence of syphilis at entry and to predictors of adherence to PrEP by self-report among adolescents which self-identified as Gay, Bisexual, and other Men who have Sex with Men (MSM), Travesti and Transgender Women (TGW) aged 15-19 years at risk of HIV Infection. The PrEP 1519 project is a Brazilian multicenter demonstrative study approved by the WHO Ethics Review Committee, and by the Brazilian Research Ethics Commission and by the local Research Ethics Committees of the participating universities (UFMG, UFBA and USP). Inclusion was voluntary after the informed consent form was singed. Participants were allocated into two groups: with or without PrEP use, according to vulnerability assessment and preference. The analyses were carried out with different dimensions of vulnerability to HIV infection, and logistic regression models were constructed to estimate the odds ratios of the association between the predictive variables and the levels of adherence at visits M1, M6, and M12, as well as its association with a positive treponemal test for syphilis at study entry. In total, 935 participants were analyzed. The median age was 19 years (IQR: 1819); 69% (645) self-identified as black; 91.1% (852) as cisgender men; and 8.8% (82) as travesti or trans women. Approximately 26% (251) of the participants showed, over the 12 months of follow-up, insufficient adherence, or less than 90% by self-report. In the final multivariate analysis, a greater chance of poor adherence was associated with being unemployed (OR = 1.34; 95%CI: 1.001.8), having transactional sex (OR = 1.75; 95%CI: 1.102.79), and having a self-perceived risk of HIV infection <5 (OR = 1.51; 95%CI: 1.06-2.16). On the other hand, the baseline prevalence of syphilis was 21.3%. In the final logistic regression model, the following variables were associated with higher odds of syphilis: self-report of an STI episode in the last 12 months (OR = 5.92; 95%CI: 3.749.37), being a sex worker (OR = 3.39; 95%CI: 1.328.78), and less than 11 years of schooling (OR = 1.76; 95%CI: 1.13-2.74). This data reiterates known vulnerability factors and point to the need to strengthen PrEP programs in public health with adequate discussion on social class, race, gender, sexuality, and combination prevention, as well as expanding and facilitating access to all combination prevention tools, including PrEP, for this age group.
Assuntos
Humanos , Travestilidade , Infecções Sexualmente Transmissíveis , Infecções por HIV/prevenção & controle , HIV , Estudo Multicêntrico , Profilaxia Pré-Exposição , Minorias Sexuais e de Gênero , Cooperação e Adesão ao TratamentoRESUMO
RESUMO O texto aborda as práticas sexuais e a prevenção do HIV nos circuitos de Homens que fazem Sexo com Homens (HSH) da Região Metropolitana do Recife, embasados em inquérito comportamental com 380 HSH de idade de 18 a 51 anos, e entrevistas com 20 dos respondentes. Os dados analisados foram coletados entre janeiro de 2016 e fevereiro de 2017, quando a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ainda não estava disponível e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) era pouco conhecida (51,8%) e utilizada (1,3%). O Sexo Anal Desprotegido (SAD) (50,6% em parcerias fixas, 30,2% em casuais) ocorria, geralmente, com parceiros presumidamente negativos para HIV. As sorologias eram inferidas pelos vínculos (estranho, conhecido, amigo, namorado). As emoções (medo, tesão, amor, confiança, nojo, carência) eram importantes na configuração do SAD, normalmente articuladas às vinculações. Observaram-se regimes de prazer dissidentes da heteronormatividade: boca-ânus e boca-pênis; sexo a três e em grupo. Considerando a forte presença de SAD e a alta prevalência de HIV em Recife (21,5%), constatou-se a necessidade de ações educativas que apresentem técnicas da prevenção combinada (camisinha, PrEP, PEP, soroescolha, segurança negociada etc.) mediante narrativas que incorporem vínculos, emoções e regimes de prazer dissidentes, para que, ao se aproximarem dos contextos de usos, possibilitem escolhas mais seguras.
ABSTRACT In this text we address sexual practices and HIV prevention in the circuits of men who have sex with men (MSM) in the Metropolitan Region of Recife (RMR), based on a behavioral survey with 380 MSM, aged between 18 and 51 years, and interviews with 20 of the respondents. The analyzed data were collected between January 2016 and February 2017, when Pre-Exposure Prophylaxis (PrEP) was not yet available and Post-Exposure Prophylaxis (PEP) was little known (51%) and used (1.3%). Unprotected Anal Sex (UAS) (50.6% in steady partners, 30.2% in casual partners) generally occurred between partners who were presumed to be HIV-negative. Serologies were inferred by ties (stranger, acquaintance, friend, boyfriend). Emotions (fear, lust, love, trust, disgust, neediness) were important in UAS configuration, almost always linked to attachments. We observed dissident pleasure regimes of heteronormativity: mouth-anus and mouth-penis; threesome and group sex. Considering the strong presence of UAS and the high prevalence of HIV in Recife (21.5%), we found the need for educational actions that introduce combined prevention techniques (condoms, PrEP, PEP, serochoice, negotiated safety etc.) through narratives that incorporate dissident bonds, emotions, and pleasure regimes, so that, when approaching the contexts of use, they enable safer choices.
RESUMO
As políticas globais e nacional de resposta à Aids têm enfatizado atualmente o tratamento como prevenção, as profilaxias pós e pré-exposição ao HIV e a prevenção combinada. O artigo analisa a tradução dessas políticas no âmbito local, com base em uma pesquisa social em municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro centrada no contexto programático de prevenção e cuidado do HIV/Aids e na vulnerabilidade ao HIV de gays, travestis e prostitutas. Os hiatos entre as diretrizes e os contextos locais são abordados a partir de quatro temas: ampliação da oferta de testagem; desafios das ações focalizadas; distância entre testar e tratar; e o alcance das combinações na prevenção combinada. Buscamos demonstrar a importância da compreensão dos processos sociais que perpassam a implementação das estratégias preconizadas globalmente, que precisam ainda ser consideradas no enfrentamento da epidemia.(AU)
Global and national AIDS response policies emphasize treatment as prevention, pre and post- exposure prophylaxis, and combination prevention. This article analyzes the implementation of such policies at local level drawing on the findings of a social study conducted in municipalities in the metropolitan region of Rio de Janeiro , Brasil, centered on HIV/AIDS prevention and care and the vulnerability of gays, transvestites, and prostitutes. The gaps between policy and local action are addressed focusing on four issues: the expansion of HIV testing, challenges facing targeted actions, the distance between testing and treatment, and the reach of combinations in combination prevention. We demonstrate the importance of understanding the social processes that cut across the implementation of the global recommendations and guidelines and suggest that these processes must to be taken into account to effectively tackle the HIV/AIDS epidemic.(AU)
Las políticas globales y nacional de respuesta al Sida han enfatizado actualmente el tratamiento como prevención, las profilaxis post y preexposición al VIH y la prevención combinada. El artículo analiza la traducción de esas políticas en el ámbito local, con base en una investigación social en municipios de la región metropolitana de Río de Janeiro, Brasil, centrada en el contexto programático de prevención y cuidado del VIH/Sida y la vulnerabilidad al VIH de gais, travestis y prostitutas. Los hiatos entre las directrices y los contextos locales se abordan a partir de cuatro temas: ampliación de la oferta de testes, desafíos de las acciones focalizadas, la distancia entre el teste y el tratamiento y el alcance de las combinaciones en la prevención combinada. Buscamos demostrar la importancia de la comprensión de los procesos sociales presentes en la implementación de las estrategias preconizadas globalmente que todavía tienen que llevarse en consideración en el enfrentamiento de la epidemia.(AU)