RESUMO
O presente trabalho teve por objetivo analisar os sentidos dos conceitos nutricionais disseminados na mídia impressa, através da revista Veja, na primeira década do século XXI. Foi um estudo qualitativo de 55 matérias referentes às 23 capas selecionadas, cujos temas se relacionavam à alimentação. Ainda que, nesse veículo, os conceitos nutricionais sejam divulgados para leitores pertencentes a camadas médias e altas, ambas letradas, existe uma permeabilidade desses saberes para as classes populares. Embora não seja um campo de produção autônomo de saber nutricional, como o campo médico científico, a mídia impressa tem grande relevância para a compreensão da nutrição na contemporaneidade, com suas ambiguidades e contradições, na medida em que, segundo Mudry (2009), a linguagem acerca da alimentação reconfigura a relação das pessoas com a comida. No material levantado, os temas que emergiram com maior frequência, foram aqueles relacionados ao emagrecimento e à longevidade. O padrão hegemônico do corpo magro, jovem, em forma e saudável, com frequência associado a celebridades, congrega um ideal de beleza, sobretudo feminina, onde magreza e juventude são fundamentais. O saudismo e a medicalização emergiram entrelaçados nos discursos nutricionais da revista, assim como o Nutricionismo, ideologia identificada por Gyorgy Scrinis (2008, 2013). O Nutricionismo se caracteriza por uma abordagem reducionista em relação ao corpo e à alimentação, com discursos métricos e quantificados, que buscam a precisão de desenlaces entre nutrientes e saúde, transformando a nutrição em uma ciência matemática e puramente biológica, na qual comer significa ingerir calorias e nutrientes. Associada ao saudismo e ao nutricionismo, a noção de responsabilidade individual surge nos discursos analisados combinada a um sentimento de culpa que se transforma em carga moral. Esta prescrição moral facilita a proliferação de dietas da moda e uso de substâncias, suplementos e alimentos-remédios como atalhos para alcançar o corpo ideal, a saúde perfeita e a vida longa. Argumentamos que a complexidade da Ciência da Nutrição é maior do que recomendações métricas e quantificadas e os sentidos do comer são bem mais amplos e profundos do que nutrientes ou calorias que ingerimos. Os discursos sobre a comida e o comer, quando impregnados da ideologia do Nutricionismo, distorcem este processo íntimo e social que, acima de tudo, deveria ser mediado por experiências e, não, por números ou nutrientes
Assuntos
Humanos , Alimentos, Dieta e Nutrição , Dieta , Meios de Comunicação de Massa , Controles Informais da Sociedade , MagrezaRESUMO
Resumo Ensaio baseado em reflexão teórico conceitual acerca do conceito racionalidade nutricional e sua relação com a medicalização da comida, onde se buscou apontar a influência que práticas alimentares sofrem do suposto estado de supremacia que a ciência detém, a qual sugere em seu discurso a necessidade de saúde. A partir do pressuposto da racionalidade nutricional como dever comer, supõe-se que este participa do processo de medicalização da comida ao descredenciar o sujeito do autocuidado alimentar, engendrar a ideia de risco de suposta alimentação inadequada e fomentar a ideia de que comer bem é comer de acordo com princípios científicos. A disseminação para o grande público de estudos científicos e os resultados de pesquisas relevam o papel da racionalidade nutricional na promoção de "melhor" saúde em detrimento da existencialidade da comida e de seu papel agregador nas relações intersubjetivas.
Abstract This is an article based on a theoretical and conceptual reflection on the concept of nutritional rationale and its relation to the medicalization of food. The objective is to highlight the influence that eating habits suffer from the alleged condition of supremacy that science holds, which proclaims the need for health in its discourse. Based on the assumption of nutritional rationale as an eating obligation, it is assumed that it is responsible for the process of the medicalization of food. This is achieved by disqualifying the individual from self-care in terms of food, instilling the idea of the risk that comes from supposedly inadequate eating habits and fomenting the idea that to eat well is to eat accordingly to scientific principles. The dissemination of scientific studies and the results of research to the general public reveals the part played by eating in promoting a state of "better" health at the expense of the existentiality of food and its role as the aggregator in intersubjective relations.