A complexidade, multifatoriedade e não linearidade da rede de transmissão do Trypanosoma cruzi (Trypanosomatida: Trypanosomatidae) em quatis (Carnivora: Procyonidae: Nasua nasua) de vida livre do Pantanal/MS, um estudo longitudinal

Alves, Fernanda Moreira

RESUMO

O Trypanosoma cruzi é um parasito primariamente enzoótico capaz de infectar uma grande variedade de espécies de mamíferos e vetores triatomíneos (Reduviidae: Triatominae). Prévios trabalhos concernentes à infecção por T. cruzi em quatis (Carnívora: Procyonidae: Nasua nasua) de vida livre de Nhecolândia, Pantanal/MS, observaram (i) que essa espécie de hospedeiro é um competente reservatório das principais subpopulações do parasito [TcI, TCII (TcII/TcV/TcVI) e Z3 (TcIII/TcIV)], (ii) maior população de fêmeas com potencial de transmissão do parasito, expresso por hemocultivo (HC) positivo, e (ii) maior infectividade (HC positivo)pela população no período seco do Pantanal. Indo além, refinamos e ampliamos nessa dissertação as análises quanto à dinâmica de transmissão das principais linhagens do T. cruzi nessa população de quatis, considerando variáveis temporais, climáticas, idade e sexo do hospedeiro. Para tal, (l) foi padronizado e validado ao ensaio imunoenzimático (ELISA); (2) foi avaliada a infecção por T. cruzi em 35 triatomíneos (adultos das espécies Rhodnius stali e Triatoma sordida e ninfas do mesmo gênero) coletados em sete ninhos de quatis entre maio a setembro/2012; (3) foi dado seguimento ao estudo da infecção por T. cruzi em quatis entre outubro/2010 a março/2012 e (4) foi realizada uma análise conjunta dos dados obtidos em sete anos de acompanhamento da população de quatis (março 2005 a 2012). Os resultados encontrados foram: o diagnóstico por ELISA apresentou 92% de sensibilidade (considerando tanto imunofluorescência indireta RIFI quanto HC como padrão ouro e 60% de especificidade (RIFI) como padrão ouro). (2) De sete ninhos, cinco albergavam triatomíneos infectados por T. cruzi. Dos 23 (66%) espécimes positivos pelo exame a fresco, 17 apresentaram infecções simples e mistas por TcI e Z3. (3) A circulação das principais subpopulações (TcI, TCII e Z3) do T. cruzi se manteve, contudo não observamos o mesmo perfil de transmissão descrito anteriormente: foi observada maior infectividade pela população no período chuvoso, além de machos e fêmeas com maior potencial de transmissão (HC positivo). Por fim, (4) observamos (a) um ciclo bem estabelecido do T. cruzi na população de quatis, apresentando papel primário na dispersão e manutenção das principais subpopulações do parasito, (b) o genótipo TcI predominou em todos os anos; (c) o caráter multifatorial e a temporalidade da dinâmica de transmissão do T. cruzi: fêmeas apresentaram maior potencial de transmitir o T. cruzi, o que ocorreu principalmente na estação seca (inverno) (expresso por hemocultivo positivo). Concluímos que o ELISA é promissor como diagnóstico sorológico da infecção por T. cruzi em quatis; os ninhos são focos de transmissão para diferentes espécies de mamíferos que frequentam o estrato arbóreo; os quatis de infectam desde jovens nos ninhos; e na região do Pantanal, a transissão do T. cruzi ocorre através de uma complexa e dinâmica rede de transmissão não linear, de caráter multifatorial e imprevisível, o que demonstra a importância de estudos de metodologia longitudinal.